quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Auto Ajuda

Não dá pra deixar desativar!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Através de um Espelho



E é com esta obra-prima trágica, também melancólica, que damos início à famosa “Trilogia do Silêncio” de Ingmar Bergman, diretor e roteirista. Há que se conferir os próximos, que apesar de diminuírem a dinamicidade, são igualmente belíssimos e geniais: “Luz de Inverno (1962)” -> ácido questionamento sobre a existência de Deus; e “O Silêncio (1963)” -> ideologia, hoje utópica, de uma recente e peculiar geração. Nenhum dos três filmes tem dependência de enredo, podendo ser vistos separadamente.

Nunca será pleno ou explicitado o motivo da trilogia ser nomeada de tal forma, creio que “o silêncio” tenha raízes nos conflitos pessoais, sociais e existenciais; dos quais diariamente temos contato. Felizmente (ou não) temos um - covarde? - mecanismo de defesa ou instinto de sobrevivência social: a repressão dos conflitos, mantendo-os fora do campo de consciência, assim alimentando um subconsciente carregado e altamente perturbado. Deus não escapa da trilogia, é alvo de especulação e minuciosa investigação. É justamente o silêncio, o sossego e a passividade divina (perante a vida) que são duramente questionados, porém nunca de maneira agressiva ou doutrinária. Bergman não fomenta interrogações nem dá pontos finais, fornece mais interrogações e algumas reticências. A fotografia de Bergman é bárbara. Seu grande parceiro, Sven Nykvist nos proporciona um deleite visual atingido com recursos mínimos! Vencedor de dois Oscars, iniciou a carreira com 19 anos, em 1953 se juntou à Bergman.

Nada como o soar das lágrimas de um violoncelo para dar início ao longa. O alvo dos instrumentos de corda é chegar perto da voz humana, Bach alcança esse objetivo com o prólogo de Através de Um Espelho, que talvez manifeste as almas dos quatro personagens que agora conheceremos:
David - Pai que não sabe se relacionar com os filhos. Sua incomunicabilidade vem em forma de frieza e covardia. Usa a doença da filha como inspiração literária.
Karin - Filha depressiva, herdou a doença da mãe já morta. Tem bruscas mudanças de humor e acessos de loucura, esforçando-se para permanecer equilibrada.
Minus - Filho talentoso que escreve peças de teatro. Admira o pai distante e está sempre chamando a atenção dele, torna-se um garoto carente apesar de ocultar.
Martin - Esposo de Karin que a ama intensamente e se sente impotente pela ironia de ser médico, mas não poder curar uma alma. É calmo e compreensível.

--> Minha analogia quanto aos quatro personagens remete a um misto do teatro grego e do russo, com atuações e passagens fortes, trágicas e com esplendor (claro que muito inferior). Karin me lembra “Medéia” de Eurípedes, enquanto vemos o complexo de Édipo na busca (sexual-afetiva) de Karin no irmão pelo pai ausente.

Sobre a trama: Seca, Precisa e Áspera - muito bem definida por Demétrius Ceasar - Sem qualquer artifício melodramático ou estereotipado, absolutamente crua e honesta. Revelando sempre o mais íntimo, o que nossas entranhas habilmente ocultam; alfinetando as fraquezas das personagens. David tem um drama popular: não sabe amar os próprios filhos, é medíocre e egocêntrico. Maior que a dor causada por essa incapacidade de comunicação e toque, é a súbita consciência de suas atitudes, que o assustam a ponto de envergonhá-lo. Uma parte em que isso fica claro, é quando ele partilha presentes para os três entes queridos e não agüenta encará-los na mesa de jantar, corre para dentro de casa e chora.

O cenário se baseia numa simples casa de lago, onde o excesso de portas e janelas remete ao simbolismo da necessidade de trocar de estados constantemente, de fugir das angústias e incertezas, revelando a provável doença de Karin: transtorno bipolar.
Ainda no começo do filme, Minus reúne a irmã e o cunhado para representarem uma peça (dele)para o pai. Peça teatral que antecipa a história da família, satirizando a fuga do pai em relação aos filhos (inclusive o pai já havia literalmente abandonado os filhos, viajando para Suíça).

Completados 30 minutos de filme, assistimos ao primeiro “acesso” de Karin: O sol nascia e ao longe uma buzina de navio era audível, sorrateiramente ela descobre-se e, com cautela, sobe até a “sala sinistra”. Inclina-se numa das frestas e parece escutar ruídos de crianças, estranhas vozes e sussurros. O trabalho corporal da atriz (Harriet Andersson) em conjunto com a fotografia, é de babar! Karin se encontra num estado de transe, rito de passagem para enfermidade mental. Movimentos calculados, misturando sutileza com agressividade e sempre explorando a sexualidade, parece que tem um orgasmo ao descer no chão, depois se arrependendo. A consciência vem à tona e o estado se esvai. O medo se instaura em Karin quando lê o diário do pai e descobre que sua doença não tem cura. David registra a doença (no diário) de forma detalhista, fascinado pela progressão do que está degradando a própria filha.



Duvidamos do amor de Karin pelo marido, que evita o sexo. Parece não ter mais o tesão que antes tinha. Alega ao esposo: “Martin, não seria bom uma mulher estável, calorosa e que trouxesse seu café na cama?” Ele retruca: “É você que eu amo, não quero outra”. Karin fica desapontada ao mesmo tempo em que pensamos: ou ela não ama Martin, ou não quer que ele sofra.

O clímax se dá quando Martin e David saem para pescar durante a tarde, deixando Karin e Mínus sozinhos. Karin deixa de ser recatada e privada, mostra-se muito mais sensual e libertina do que antes. Sente-se livre para expressar seus sentimentos com o irmão, abraça e beija o mesmo. Fuma e demonstra calor perto dele, contando que tem controle sobre sua doença e que Martin e David nunca entenderiam isso. Vai induzindo o irmão à pensar como ela a ponto de chantageá-lo na escada, após ele ter presenciado um acesso de raiva na sala sinistra: Leva Minus até a sala e revela ter uma intensa ansiedade por alguma manifestação divina, quer alcançar a paz e o aconchego da morte. Diz: “Ás vezes estou nesse mundo, às vezes no outro, não consigo evitar”. Despenca, começa a chorar nos braços do irmão que se encontra confuso e fragilizado. De repente grita e diz para ele sair, quer dormir no chão. Colocado numa situação delicada, Minus não sabe como agir, e se ela tentar suicídio? A porta bruscamente se abre e Karin está vibrante, pulando de alegria como se nada tivesse ocorrido. É aí que ela pega Minus pelos cabelos e o chantageia, dizendo para não contar a ninguém o que viu.

Na lancha, Martin joga a verdade na cara do sogro: o chama de insensível, procurador de tópicos (registro da doença da filha) e covarde. Mas um mestre nas fugas e evasões. Diálogo forte e picante entre os homens. David revela ter tentado se matar quando fugiu para Suíça: somente não o fez pelo motor do carro, que morreu antes do carro chegar à beira do penhasco. Toma esse fato como uma intervenção divina, eu creio. Finaliza o discurso contando que certo amor cresceu dentro dele, mesmo que reprimido, pelos filhos e o genro.

Antes da volta dos homens, Karin corre para dentro do barco destruído e Minus vai atrás. A chuva cai, o derramamento de líquido simboliza o incesto que ocorreu entre os irmãos no barco molhado. Os homens chegam e Karin decide internar-se, põe um vestido limpo e arruma suas coisas; tentada, dirige-se até a sala sinistra chegando ao auge de sua loucura: somente ela e Martin estão na sala, sendo que este está desesperado e muito preocupado. A porta de madeira abre e a mulher começa a espernear, gritar e agonizar. Um helicóptero chega para levá-la. Após muita tensão e dor, ela repousa debilmente na escada, sedada. Narra o que aconteceu após a abertura da porta de madeira: Deus entrou (ela o descreve como uma aranha) e foi até ela, queria entrar na mulher, mas essa não deixou e assim eles brigaram. De fato uma passagem boníssima que contém uma peculiar definição divina.

Nos últimos minutos do filme, encontramos pai e filho sozinhos. David finalmente conversa com Minus: “Não sei se o amor é a prova da existência de Deus ou se é o próprio Deus. Esse pensamento ameniza o meu vazio e meu desespero sórdido”. Minus responde: “Então Karin está cercada de Deus já que a amamos tanto”. Sim, mas tanto amor, tanto Deus, pode sufocar. E é com uma lágrima que Minus conclui: “Papai falou comigo”. A tela escurece.

Across the Universe



Começamos com uma misteriosa cena onde a praia deserta se define como cenário. Jude nos é apresentado o som de “Girl” e de cara vemos que ele anda enamorado; porém o destino tomou rumos inesperados e o separou da tal Garota. Pra mudarmos de cena, há uma ligação não muito agradável (onde notícias de jornais são apresentadas como violentas ondas num mar enfurecido) com o fragmento da música “Helter Skeleter” cantada por uma das personagens que futuramente nos será apresentada. É triste ver a legenda em português dublando o refrão como “Mas que confusão”; quem é fã de Beatles logo se toca. É aí que surge o link pra “Hold Me Tight”, que nos mostra dois ambientes distintos: um tradicionalmente americano e outro tradicionalmente inglês. De passada vemos Jude com a namorada e Lucy com o namorado.

Apesar de nenhum dos atores (exceção do Bono) serem de fato cantores, souberam manejar as canções dando diversas leituras às mesmas.
No dia posterior, Jude parte com promessas de lealdade à namorada. É interessante a mistura do diálogo lúdico com a letra de “All My Loving”. Ele parte, assim como o primeiro amor de Lucy, que vai prestar serviço no exército. Em Ohio, surge Prudence numa delicada cena de atração. Ao som de “I Want To Hold Your Hand”, Prudence descobre seu interesse pelas mulheres e indiferença aos diversos homens que, com brutalidade, passam por ela. Boa sacada de Julie ter deixado a letra original, dando uma óbvia demonstração de desejo em “...I wanna be your man...”.

Já nos Estados Unidos, Jude encontra-se pela primeira vez com o pai, um zelador de universidade. E é justo nesse local que Jude, o simples marinheiro, faz divertidas amizades formando um grupo de cinco caras que passaram a curtir as noites ao som de “With A Little Help From My Friends”, onde Max (irmão de Lucy) nos é apresentado.
Interessante que eles fumam alguma coisa não visível, notaram? Poisé, foi proposital.
Essa música é uma super referência ao início da carreira dos Beatles, lá quando eles estouraram. Vemos que as personagens vão amadurecendo assim como foram artístico e pessoalmente os Beatles. Lucy nos contagia com sua empolgação em “It Won’t Be Long” ao back vocal de suas irmãs menores. Novamente vemos a fase juvenil, porém Julie não quer uma loirinha da classe alta alienada, Lucy mostra ter um espírito revolucionário e perspicácia em seus comentários e observações.
Impossível não se apaixonar pela jovem, Jude revela o extremo interesse num boliche, ao som muito conveniente de I’ve Just Seen A Face”. Max, o grande desleixado e repudiado pelos pais conservadores, viaja com Jude até Nova York com a promessa da famosa tríade: sexo, drogas e rock and roll.

Mais uma vez ocorrem interessantes cenas intercaladas em “Let It Be”, ao belíssimo som primeiramente de um menino negro que transborda emoção e uma esplêndida cantora negra de igreja evangélica com sua voz de canhão. Ambas cenas de pesar, velório e enterro. Aí vemos Jo Jo (referência à Jimi Hendrix) pela primeira vez, que caminha pelas ruas de NY se deparando com uma variedade exuberante de “tribos”, desde trabalhadores bem vestidos até hippies coloridos; Joe Cocker tem várias encarnações marcando a sempre notável presença em “Come Together”. Já tendo conhecimento de Sadie (referência à Janis Joplin e à música Sexy Sadie”), a cantora que hospedou Jude e Max (também Prudence), canta sensualmente “Why Don’t We Do It In The Road” num pequeno bar. Lucy está presente, resolveu ficar com o irmão e revelar a má notícia do Tio Sam que ela trazia numa carta. Bastou ela estar ali pra Jude retomar a paixão (não deixada de lado) que explodiu no boliche. É assim que Lucy, com toda a sinceridade e um misto de alegria/pesar, canta ternamente “IF I Fell”. Numa desanimada visita ao Tio Sam, Max vai se alistar no exército com a super bem feita e coreografada “I Want You (She’s So Heavy)” onde Julie tem ótimas sacadas como a cena onde os homens carregam a impetuosa estátua da liberdade. Daí partimos pra uma divergente leitura da mesma música: Prudence deseja desesperadamente Sadie e reprimida se tranca num armário. Um ótimo momento para os amigos cantarem ”Dear Prudence”, animando-a e revelando as belezas ocultadas nos horrores de cada esquina. Pulo duas músicas para seuir em frente até a interessante entrada de Bono no filme. È o lançamento de seu livro, qual ocorre numa animada e psicodélica festa ao som de “I Am The Walrus”, onde Julie revela seu potencial artístico e vemos os ideais dos anos 60 ao embarcar numa viagem maluca e muito colorida que muito recorda “The Magical Mystery Tour”, sim os hippies estão à solta.



Quem viu “Yelow Submarine” certamente vai lembrar dos seres azul e seu mundo singular. Pois mais uma vez o visitamos com “Being For The Benefit Of Mr. Kite” onde a loucura e a imaginação pairam no ar. Essa cena foi bastante criticada, mas a considero importante. Prudence agora trabalha nesse circo e está namorando uma contorcionista. Deitados na passividade térrea da grama, nossos personagens cantam a belíssima “Because”, com lindas cenas filmadas embaixo d’água, que destacam o estado espiritual em que os jovens se encontram. Interessante que a diretora sai dessas cenas mais abstratas pra cenas bem concretas como a de Max emergindo nu da água. O relacionamento de Jude e Lucy vai bem segundo a sensual e muito bem cantada/interpretada por Jim Sturgess, “Something”. Jude anda desenhando cada vez melhor e mostra ter talento, enquanto Lucy se preocupa em manifestos e protestos contra à guerra no Vietnã e etc. É muito engraçado e crível ver Jo Jo e Sadie discutindo o relacionamento no meio de “Oh! Darling”, que resulta na saída do guitarrista e uma prolífera “While My Guitar Gently Weeps”, cheia de dor e amor. Não muito bem compreendido e com certo ciúmes, Jude alavanca na carreira artística pintando o slogan de um show: um alucinante morango que encaixa perfeitamente com “Strawberry Fields Forever”, onde a loucura de Jude chega ao auge e assim também a de Julie; que delícia é assistir aquelas bombas de morango alucinógenas caindo do céu! Nosso protagonista toma coragem e vai até o trabalho de Lucy mostrar o que pensa do movimento de Paco com a divertida “Revolution”. Jude e Jo Jo acabam por compartilhar as mágoas até o amanhecer, entre tragos e suspiros infelizes.

Uma vez que Lucy foge de casa, Jude fica arrasado na belíssima “Across The Universe” e tenta alcançar a amada em “Helter Skelter”, onde Sadie canta pra uma multidão enfurecida de protestantes e policias armados. Ferido na pele e na alma, também deportado, Jude se afunda em “Hapiness Is A Warm Gun” assim como o amigo Max que já tinha voltado da guerra. “Blackbird” é um suave choro de arrependimento dado por Lucy enquanto “Hey Jude” é uma enorme dose de auto-estima e confiança dada por Max para o amigo Jude (que volta pra América). No terraço de um apartamento nova iorquino, a banda de Sadie toca “Don’t Let Me Down”, despertando o interesse dos pedestres e irritando os (já irritantes) policiais. Jude sente uma compreensível necessidade de cantar “All You Need Is Love” como um grito de amor à Lucy que o ouvindo, sobe no terraço de um prédio a frente. A partir desse momento o olhar entre os dois é avassalador, mas certa divisão talvez fique entre eles pro resto das longas ou curtas respectivas vidas. Finalizamos com um banho de psicodelia na apresentação dos créditos em “Lucy In The Sky With Diamonds”.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Coletando PERSONA



“Na tela escura o carvão dos projetores se torna incandescente pouco a pouco até explodir em luz para que a película cinematográfica que corre nas rodas dentadas do projetor ganhem movimento e vida.”

O vigésimo sétimo filme de Ingmar Bergman, de partida, já começa a ser peculiar: “persona” era a máscara no teatro grego, também simbolizava o artifício que escondia a alma. Nosso diretor, também roteirista, casou-se com Liv Ullman na época do filme (1966). Liv, ao lado de Bibi Andersson, são as musas que se aventuraram pelo território - nada plano - da personalidade humana, são as atrizes que desferiram um duelo de máscaras por cada minuto dos 85 minutos que compõem a obra.

“Existir é atuar, o mundo é um palco.”

PB em plena década de 60. Motivo? Porque os sonhos são em preto-e-branco e Bergman filmava seus filmes como sendo pesadelos existenciais. Naturalmente há busca pela estética de terror, o que fica explícito no sinistro-psicodélico-metafórico prólogo: uma sequencia de abertura surreal que mistura fugazes imagens; passando por uma crucificação, pênis ereto, tarântula (símbolo divino), órgãos de um cordeiro e partes de filmes mudos. Nota-se que o diretor elimina sinais realistas, causas, pretextos, explicações para cada imagem e para a relação que se estabelece entre elas.

Enfim pousamos numa sala de hospital onde diversos corpos inertes repousam, apenas um foge à regra: o menino. Ele desperta. Agora reflito: desperta ou ressuscita? Ao longo do filme veremos que um adulto que faz parte da história ressuscitará, então fica a dúvida.

“Estávamos dormindo ou mortos, despertamos ou nascemos assim que o filme começa.”

O garoto observa a imagem desfocada de uma mulher. Ele toca a imagem, acaricia. É um modo de sugerir que a imagem de cinema é feita para ser tocada pelo espectador, interatividade virtual e absoluta.

“Ele toca a imagem e é tocado por ela.”

Porque tudo que não é dito em “Persona” encontra facilmente os caminhos da alma de quem o assiste/vive. Como o impacto daquelas primeiras imagens que ultrapassa uma necessidade de sentido “palpável” para compô-lo além de um nível racional, o que não implica na perda do sentido, mas na sua amplificação. Não é raro escutar comentários de repulsa e desgosto pela não compreensão da sequencia de abertura.

“Mais que visual ou textualmente, tudo é resgatado ao longo do filme num círculo mais profundo, o sensorial.”

Alma (Bibi Andersson) é uma enfermeira muito profissional e eficiente. Curiosa, não sucede em sua especulação para com o estranho caso de Elisabeth Vogler; mulher absolutamente sadia no que concerne ao físico. Sua enfermidade reside na alma perturbada, conta-se que a atriz desistiu de usar as palavras. Já não suporta mais ter que interpretar papéis, fazer caras ou falsos gestos; assim preferindo isolar-se e abrir a boca apenas para alimentar-se. Alma é hiperativa e verborrágica, tenta um infrutífero relacionamento com a paciente.



A enfermeira-chefe (Margaretha Krook) participa apenas do início, mas ainda assim é uma das mais fortes e sinceras personagens. Não usa eufemismos nem sutiliza suas palavras, que saem ásperas e objetivas de sua boca. Pondera a covardia (?) de Elisabeth a ponto de não mais querer encarar a vida. Aconselha-a a passar alguns dias na sua casa de campo, junto de Alma.

“Mas veja, a realidade não coopera. Seu esconderijo não é à prova d'água. A vida entra em tudo.”

No típico cenário bergmaniano, Alma parece cada vez se soltar mais e assim ir revelando sua alma energética e despreocupada, avoada. Fala pelos cotovelos, talvez por nunca ter tido a oportunidade ou no intuito de auto afirmar-se como pessoa segura, equilibrada. Observaremos quão frágil é seu temperamento, muito diferenciado - na verdade idêntico - ao de Elisabeth, que assiste e escuta a tudo com passividade e rigoroso silêncio; por vezes a acaricia, com os olhos cravados em cada trejeito de Alma, em cada risada estridente. O auge desse atípico relacionamento se dá na cena - tremendamente visual - em que a enfermeira narra sua orgia com dois meninos seguida de um aborto.

“Eu senti como nunca me senti antes quando ele espalhou sua semente em mim.”

Confessa que tem um relacionamento infeliz com o marido - Karl Henrik - e que simula sua felicidade no trabalho que julga tedioso. Elisabeth diverte-se com seu estudo doentio para com as confissões e atitudes de Alma. No próprio ato de fumar - antes não praticado por Alma - vemos a influência das mulheres que cada vez mais parecem se fundir, chegando a um ponto em que o espectador não vê mais uma enfermeira e uma paciente, mas íntimas amigas ou namoradas. Ao passo que Alma começa a amadurecer, elas iniciam fortes conflitos e discussões, onde a enfermeira sempre acaba fragilizada, detonada. Na última meia hora, o passado de Elisabeth é revelado, e desse, até mesmo um filho renegado faz parte. Alma obriga a outra a conversar sobre tal filho na cena da mesa, onde os dois ângulos são explorados; ela finalmente consegue despedaçar a paciente taciturna. Alguns flashes, closes muito próximos e montagens surreais contribuíram para dar dinâmica ao filme ao mesmo tempo em que poluíam a tensão conquistada.

“Um jogo de intoxicação pela memória, de quebra e estilhaço de personalidades. É o atestado absoluto de esquizofrenia dos extremos de ódio e amor não apenas bem mais próximos do que se imagina, mas duas faces de um mesmo e nocivo indivíduo, porque a maldade é manifestação pura, é o estado mais bruto e subterrâneo da alma.”

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Vicky Cristina Barcelona



Barcelona suaviza todo o percurso do filme, tornando-o uma agradável experiência. Penélope Cruz chega um pouco tarde no filme, conseguindo dar muito mais brilho e vida ao mesmo. Penso que os alicerces que sustentam o longa são Javier Bardem (com seu personagem sedutor e bastante cativante), Penélope Cruz (mostrando-se uma artista complexa e muito direta) e a própria Barcelona.

Scarlett Johansson e Rebecca Hall (Cristina e Vicky) sem dúvida são encantadoras e charmosas; sinto apenas certa falta de maturidade, tanto na conduta quanto na atuação das personagens por elas interpretadas. Não há problemas na questão de Vicky se mostrar muito mais inflexível e moralista do que Cristina, o problema ocorre quando Rebecca (Vicky) não dá conta desse recado e transforma sua personagem numa mulher... chata. Monótona demais, assim como seu marido Doug (mas talvez esse fosse o intuito). Felizmente ela vai amadurecendo com o desenrolar da história.

Vicky Cristina Barcelona tem um diretor experiente, elenco forte e belas locações. Mas o que me cativou por inteiro foi a questão do “desabrochar artístico” de Cristina e do belo triângulo amoroso formado. Admito que a narrração me incomodou em diversos momentos, tornando o filme um pouco didático e subestimando nossa capacidade de compreensão visual.

Simples e perfumado.